[publicado originalmente no blog do Instituto Fonte]
Sempre volto de Rondônia mexido. A situação lá é de grande demanda de desenvolvimento e articulação da sociedade civil e construção de políticas públicas mínimas. O estado está entre os três que mais desmataram a Amazônia recentemente. Seu governo é uma indignidade com os direitos humanos e ambientais (há relatórios sobre isso, posso disponibilizar se alguém quiser).
Desta vez fomos a Guajará-Mirim, seis horas de ônibus desde Porto Velho. No caminho só pasto. E olhando a paisagem espalhada de braquiária Luiz Ferraro (grande profissional que me acompanha no trabalho por lá) e eu conversávamos.
O grupo de ongs com quem trabalhamos estimulava a questão: como estão so processos de formação política no bojo da sociedade civil hoje? Temos preocupações. As CEBs ocuparam nas décadas de 60 a 80 esse lugar. A partir da leitura da biblía leigos liam a nossa sociedade, sempre com uma perspectiva crítica, marcada pelas influências de Marx, Boff, Freire, Frei Betto e muitos outros. Nestes grupos se formaram milhares de pessoas que tinham capacidade de realizar leituras profundas do Brasil e do mundo. E assim contribuiam para a construção local, regional e nacional de terras brasilis.
Mas e hoje? As CEBs existem, mas com menos força e espaço. As ONGs tomam conta da sociedade civil. Ótimo, isso indica um alto grau de institucionalidade da cidadania. Entretanto preocupa a despolitização destas organizações. Não todas, óbvio e ululante isso. Mas no boom das ongs que marcou a década de 1990 nasceram milhares de iniciativas que atuam nas mais diversas direções e que passaram a operar pela lógica de projetos. Com isso quero dizer de uma forma de realizar a ação social que significa a entrega de algo, um produto, uma técnica, um "sujeito emancipado". Criamos o disk-projetos, o delivery de práticas sociais. O projeto se enderrando em si mesmo, encimesmado, sem construir relações amplas com o contexto, o cenário, as forças locais. Luiz conta de uma técnica de alguma secretaria do governo baiano que ao chegar em um quilombo, marcado pela disputa de terras, pelo achaque de grileiros e latifundiários, pela insustentabilidade das relações construídas, fica feliz, muito feliz com seu trabalho porque conseguiu convencer uma velha senhora a fazer composto. Mas é claro, ela é militante da permacultura. E não olhou para nada mais, sugeriu a bosta misturada a palha e se foi.
Esvazia-se a leitura de mundo. Ganha a entrega de produtos sociais, que podem ser verificados por indicadores mensuráveis. A questão central é que se avança em itens técnicos-operacionais, mas raramente na transformação do mundo. E sem dúvida o movimento de responsabilidade social reforça essa situação. Raras vezes conheci empresas politizadas ou estimulando o debate desta natureza. Mas dou minha mão à palmatória, trabalho com muitas delas, pagam meu pão. Mas não me furto do olhar mais rigoroso.
Fica a questão. As CEBs esvaziadas e as ongs despolitizadas, entregando pizzas. Onde estaremos em 20 anos? Que sujeitos politicos teremos? Onde estão essas arenas de formação? E agora José e Maria? Se eu tocasse a valsa vienense qual seria o bailado?
O bonde não vem?
6.6.08
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2 comentários:
é você que escreveu isso Danielzão? ah, então agora voce nos dá razão ... lembra daquela velha discussão sobre o papel das ONGs, hoje? bem, vamos aprofundar essa discussão? eu estou disposta, e instigada ... e tenho uma proposta tambem, sobre o curso de formaçao politica, ou melhor, uma discussao sobre a politica ...
Livia
Gostei! Concordo.
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